A Década para a Ação é a grande oportunidade para se colocar em prática as medidas inadiáveis visando atenuar os problemas crônicos enfrentados pelo mundo e que têm no recurso natural “água” o elemento chave indutor para o atendimento às Metas de Desenvolvimento do Milênio (www.unmillenniumproject.org).
A Década para a Ação procura assim consolidar as proposições apresentadas nas conferências internacionais sobre recursos hídricos e meio ambiente promovidas pelas agências filiadas da ONU, nestes últimos 30 anos, começando pela reunião de Mar Del Plata, passando pelas de Dublin, Rio de Janeiro , Paris e Joanesburgo e pelos Fóruns Mundiais da Água, em Haia e Kyoto, agrupando-as num elenco de onze desafios a enfrentar na dimensão planetária, levando-se em consideração os aspectos políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais correlatos, quais sejam:
1) ASSEGURAR O ACESSO À ÁGUA DE BOA QUALIDADE E AOS SERVIÇOS DE SANEAMENTO
As doenças relacionadas com a água são as causas mais comuns das internações hospitalares e das ausências no trabalho e na escola. Elas afetam predominantemente as populações mais pobres dos países em desenvolvimento. Atualmente 1,1 bilhão de pessoas carecem do acesso à água de qualidade e 2,4 bilhões de pessoas não possuem instalações sanitárias adequadas.
2) PROTEGER OS ECOSISTEMAS GARANTINDO SUAS INTEGRIDADES E A BIODIVERSIDADE
Os ecossistemas não só possuem um valor intrínseco próprio, mas também proporcionam serviços essenciais ao gênero humano. A redução em quantidade e qualidade das massas de água dos ecossistemas vem causando uma significativa perda da biodiversidade, particularmente das fontes naturais de alimentos essenciais para as populações ribeirinhas mais pobres. O desmatamento amplia as extensões dos desastres naturais (secas e inundações), reduz a produção de água superficial e subterrânea e contribui para a evolução dos processos erosivos.
3) ASSEGURAR A SUSTENTABILIDADE DA URBANIZAÇÃO
Há 100 anos, somente 20% da população mundial estimada em 2 bilhões de habitantes viviam em cidades. Hoje, dos 6,3 bilhões de habitantes, quase 50% moram em áreas urbanas. Estas concentrações populacionais demandam água de fontes cada vez mais distantes e dispõem seus esgotos em cursos d’água com vazões insuficientes para proceder uma diluição adequada (autodepuração), exigindo altos investimentos na recuperação da qualidade de suas águas para atender as necessidades de outras comunidades situadas águas abaixo. A impermeabilização do solo com asfalto e telhados amplia os volumes das enxurradas, e os sulcos de drenagem naturais são incapazes de garantir o escoamento das vazões adicionais, obrigando o poder público a investir continuamente em obras de canalização e retificação de córregos. Serviços públicos de boa qualidade associados a um plano diretor de desenvolvimento urbano são fundamentais para se alcançar uma desejada qualidade de vida nas cidades.
4) ASSEGURAR A ALIMENTAÇÃO PARA TODA A POPULAÇÃO
As principais fontes de alimento do mundo são a agricultura e a pecuária. Para produzir uma dieta de 2.800 calorias diárias por pessoa, são consumidos entre 1.000 e 2.000 litros de água. Embora a maior parte da produção de alimentos dependa do regime das chuvas, a rega artificial torna-se necessária em quase 1/5 da área cultivada dos países em desenvolvimento. A irrigação é responsável por 70% de toda a água consumida no mundo e é o principal fator que contribui para o acirramento dos conflitos entre os outros usuários da água.
5) PROMOVER UMA INDÚSTRIA LIMPA
Toda indústria requer grandes quantidades de água. Algumas usam a água como matéria prima para o seu produto final e outras como insumo dos seus processos de produção (resfriamento, solvente, etc.). O uso industrial da água representa 20% do consumo global. A água de despejo dos processos industriais apresenta uma composição química bastante variável e complexa, e o seu descarte em corpos d’água de forma pontual acarreta níveis de poluição insustentáveis. A adoção de tecnologias que impliquem em menores consumos de água e as práticas de reciclagem e de reúso, bem como o pré-tratamento dos efluentes, são procedimentos urgentes a serem adotados.
6) UTILIZAR A ENERGIA PARA ASSEGURAR O DESENVOLVIMENTO
Dentre as diversas fontes energéticas a de origem hidráulica é, e deverá se manter, como uma das mais utilizadas nos países em desenvolvimento. Apesar da grande quantidade de energia gerada no mundo, o acesso a ela é bastante desigual. Cerca de 2 bilhões de pessoas não dispõem de eletricidade e 1 bilhão utilizam meios de produção de energia inadequados ambientalmente. Somente 1/3 do potencial hidrelétrico viável no mundo já está explorado. Centrais hidrelétricas de pequeno porte podem ter um importante papel no desenvolvimento de zonas rurais.
7) REDUZIR OS RISCOS DOS DESASTRES NATURAIS
O número de vítimas afetadas por desastres naturais aumentou em proporção superior ao crescimento populacional. Quase 5% da população mundial são atingidas anualmente por desastres naturais. Somente nos últimos 10 anos, 800.000 pessoas morreram em 2.500 desastres naturais acontecidos no mundo, dos quais 90% tiveram como causa o excesso ou escassez de água (enchentes e secas).
8) COMPARTILHAR A ÁGUA PARA O INTERESSE COMUM
A água deverá ser compartilhada tanto entre seus diferentes usos potenciais como entre seus diferentes usuários. A água por ser um recurso de múltiplos e sucessivos usos, necessita de uma gestão eqüitativa e sustentável. A gestão integrada dos recursos hídricos deverá tomar por base a bacia hidrográfica, onde as relações sócio ambientais entre as ofertas e demandas de água podem ser estabelecidas e controladas.
9) VALORIZAR OS MÚLTIPLOS ASPECTOS DA ÁGUA
Dentre todos os recursos naturais, a água, embora aparentemente abundante no mundo, é um recurso finito e a sua irregular distribuição temporal e espacial a faz escassa em muitas regiões do planeta.
O crescimento populacional experimentado nas últimas décadas e os correspondentes níveis de demanda de água para satisfação dos seus diversos usos está contribuindo para o esgotamento da sua disponibilidade em muitas partes do mundo, seja em termos dos volumes remanescentes, seja pela deteriorização da sua qualidade, resultando daí a adoção da água como um bem econômico.
Desta forma, a gestão dos recursos hídricos deve associar ao valor econômico da água os valores sociais, ambientais e culturais em todos os seus usos e refletidos no custo da sua disponibilidade quantitativa e qualitativa.
10) ASSEGURAR A DIFUSÃO DAS INFORMAÇÕES E CONHECIMENTOS
A informação e o saber são condições indispensáveis para o desenvolvimento e melhorias dos meios de subsistência. O conjunto de informações e conhecimento sobre a água é bastante amplo, porém, não acessível à maior parte da população. Inúmeros portais sobre questões relativas à água, cobrindo os seus múltiplos aspectos, estão disponíveis pela internet e deverão servir de fontes de consultas para professores, alunos e a população de um modo geral. O aprendizado, desde o ensino fundamental, das questões relativas à história e à geografia da região onde se mora é condição básica para integrar a população num comportamento cidadão.
11) ADMINISTRAR A ÁGUA DE MODO RESPONSÁVEL
A gestão dos recursos hídricos deverá ser praticada de forma ética com a colaboração e parcerias entre cidadãos individuais e instituições públicas e privadas nos níveis regional, nacional e internacional, baseada em um compromisso político e uma ampla consciência da sociedade para garantir a sustentabilidade de todos seus usos, mediante a transparência e a responsabilidade das decisões.
Luiz Augusto Castrillon de Aquino
Diretor Presidente da Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A; SANASA Campinas.